Opinião: Taboão da Serra, 64 anos de desigualdade social

27/02/2023 | Outro autor

A cidade de Taboão da Serra acaba de completar 64 anos de história. E agora que passou o período de felicitações das mídias e pessoas públicas do município, podemos situar a realidade. Somos de Taboão, São Paulo, Brasil.

Pertencemos a uma sociedade complexa, que longe de ser esclarecida, forma nossa cidadania nacional, estadual e municipal. Taboão da Serra é uma cidade como muitas do Brasil, colonizada e emancipada por imigrantes. Mas construída pelas mãos dos populares, mestiços, indígenas e pretos que migraram de todas as partes do país, buscando nestas terras metropolitanas da capital, trabalho para fugir da miséria, legado da colonização racista e violenta do território brasileiro.


Muitos de nossos avós e bisavós que ocuparam as zonas periféricas da cidade a partir dos anos 1970, migraram do nordeste, Minas e outras regiões, buscando alternativas de sobrevivência. Porém, na linha do tempo do site “Taboão da Serra, construindo sua história nas trilhas do futuro”, esse período de explosão populacional, representa “o aumento da criminalidade e o surgimento de favelas”.


Associar pobreza, miséria e criminalidade sem considerar o histórico de escravidão, exclusão dos povos pretos, indígenas e mestiços, é infelizmente um argumento conservador, muito reproduzido pelos mais privilegiados e por quem não conhece sua própria história, e racista, porque os crimes que mais atrasam o desenvolvimento da sociedade são os do colarinho branco.


Para conhecer nossa história em outra perspectiva, devemos remontar a condição social de 1959, ano da emancipação do município. O Brasil vivia um período de crescimento econômico, impulsionado pelo governo de Juscelino Kubitschek e sua política de "50 anos em 5" para acelerar o desenvolvimento do país.


Entretanto, os beneficiários da industrialização da metrópole São Paulo e municípios que surgiam em sua volta, eram em sua maioria, imigrantes que chegaram no país pela política de embranquecimento do povo, no início do Séc XX, fugindo das guerras e incentivados pela promissora oportunidade de crescimento, com direito à terra e outros benefícios para desenvolverem o território sem a estigmatização de “povo inferior”, como eram tratados os afro-indígenas daquela época, úteis para a elite brasileira somente como mão de obra barata sem direitos sociais garantidos. Neste contexto nasce a cidade de Taboão da Serra, pela luta de imigrantes que tiveram o privilégio de lutar, por não serem pretos, mestiços e indígenas.


Até por isso, não se ouve muito sobre a cultura que por milênios foi desenvolvida neste território, nem nas escolas! Nosso território é originalmente indígena, mas hoje, com o genocídio, etnocídio, apagamento, silenciamento e aculturamento, parece que esse período nunca existiu, mas resiste. O Povo preto da cidade nos últimos anos, tem se empoderado e ocupado o lugar de protagonismo com a luta para a valorização de seu papel na sociedade brasileira, mas salta aos olhos a marginalização fruto do racismo estrutural, que a cada 23 minutos tira violentamente a vida de um jovem negro no Brasil, segundo o Atlas da Violência.


Se a miséria e a pobreza são um legado da colonização violenta dos povos inferiorizados, os índices de desigualdade social e da violência urbana da cidade de Taboão da Serra é um legado da exclusão sócio-cultural e econômica contínua dos periféricos nestes 64 anos de município. O discurso recorrentemente ufanista da mídia tradicional taboanense encobre com um véu a realidade das periferias da cidade, que sempre é pauta jornalística pela possibilidade sensacionalista de engajamento que a violência e catástrofes evitáveis como enchentes oferecem.


Pouco se fala, que apesar de ser a 46º maior economia do Estado de São Paulo (IBGE, 2020), e ter uma localização estratégica, Taboão da Serra é uma das cidades classificada como desigual pelo índice Paulista de Responsabilidade Social (2018), com nível de riqueza elevado, mais indicadores sociais insatisfatórios, figurando na 552º posição no índice de longevidade de vida e 417º no índice de escolaridade, no ranking dos 645 municípios de São Paulo.


O estudo sobre a qualidade de vida da cidade organizado em 2005 pela professora do departamento de geografia da USP, Rúbia Gomes Morato, nos indica que quanto mais próximo do considerado centro da cidade, mais os bairros possuem qualidade de vida, conforme os bairros se distanciam do centro da cidade, a qualidade de vida é mais desfavorável, como mostra o mapa abaixo, quanto mais clara a cor do bairro, menor a qualidade de vida.


Entretanto, mesmo com o segundo plano dentro das prioridades do desenvolvimento da cidade, o potencial do povo periférico de Taboão da Serra é gigante. O Sociólogo Pablo Tiaraju, em seu livro publicado no ano passado. “A Formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos”, traça um panorama que a partir dos anos 1990, desenvolve-se um sentimento de orgulho de ser da periferia em SP, sobretudo fomentada pelos movimentos culturais e de resistência, e em nossa cidade não foi diferente.


Mas ainda sofremos com o atraso conservador que mantém o legado da exclusão e que entende questões sociais como caso de segurança pública. Basta reparar as leis regulamentadas na área da cultura e que não são postas em prática, como a LEI Nº2171/2013 que promulga o Sistema Nacional de Cultura e o fundo de 1% da lei orçamentária anual, que deve ser destinada para a pasta e nunca foi devidamente aplicada para fomentar atividades culturais pela periferia da cidade.


Nestes 64 anos de cidade, o que precisamos é da valorização do povo periférico taboanense pelo poder público, tanto no histórico do desenvolvimento da cidade quanto nas potencialidades que oferecemos. Mas, enquanto a visão atrasada sobre o povo da quebrada taboanense for a mesma, bem como o jogo toma lá dá cá da política local, sempre preocupada com a próxima eleição em detrimento à responsabilidade cidadã do cargo público, vamos fazendo na base do “nós por nós”, com os movimentos de moradia popular, os times de várzea, os pólos culturais e ONGs independentes, que estão sempre, mesmo sem fomento regulares de políticas públicas dos governos que passam pela prefeitura, lutando por uma periferia taboanense melhor, menos violenta e com atividades de formação para os mais jovens.

 


Ramon Andrade - Professor de Filosofia formado pela USP, cria do Pirajussara e morador de Taboão da Serra.

 

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