Eu sinto muito! Desconhecida assassinada, queimada e enterrada como indigente

A mulher abandonada como um animal, depois de ter sido violentada, esfaqueada e ter o corpo carbonizado no acostamento entre as ruas Ângela Maria Cardoso e Maria Aparecida Nicoleti, no Parque Laguna, em Taboão da Serra, no começo da noite da sexta-feira, 18, foi sepultada na tarde desta quarta-feira, 23, como indigente no cemitério da Saudade, em Taboão. Ela ficou 5 dias no IML e não foi identificada.

Nenhum familiar, parente, ou amigo foi até o IML de Taboão reclamar o corpo incendiado daquela mulher não identificada. Ninguém a velou. Ninguém chorou sua morte ou depositou flores em seu túmulo. Não dá pra saber se a mulher desconhecida vai fazer falta a algum coração que chegou a ocupar em vida. Não dá pra saber se a sua morte vai ser esclarecida e nem se os culpados serão punidos. Mas, dá pra saber e sentir que ninguém merece morrer assim.

Eu vi aquela mulher com o corpo ainda em chamas. Os braços e as pernas enrijecidas pra cima (soube que ela foi trancada em um porta-malas e por isso ficou com aquele aspecto). Havia um silêncio macabro ali, contrastando com gritos ensurdecedores dentro de mim, que repetiam a todo instante: eu vi uma mulher com o corpo em chamas, lançada no acostamento de uma rua com poucas casas e iluminação.

Eu vi um homem apagar o fogo que ardia na pele dela com certa resignação. Ele usava uma garrafa pet como num churrasco, aliás, o cheiro era esse também. Eu vi muitos olhares acostumados a cenas tão monstruosas que nem se surpreendem mais. E vi, acima de tudo, que isso precisa acabar, que é preciso levantar vozes para dizer que essa violência absurda contra as mulheres tem que acabar.

Eu não sei se aquela mulher teve uma vida feliz. Não sei se ela fez alguém feliz. Talvez ela vivesse nas ruas, usasse drogas, vivesse num bordel. Talvez ela fosse uma pessoa ruim. Talvez fosse doente. Não sei nada sobre aquela mulher queimada. Só sei que aquela imagem e todas as sensações que ela despertou dentro de mim precisam de alguma foram ganhar um nome, um rosto, uma história, uma resposta.

Foi por isso que nesses dias eu quase não consegui escrever. Foi por isso que eu quase não dormi. Foi por isso que tanto senti essa dor. Eu não acredito em acaso. Eu acredito em Deus. Acredito num plano para todas as coisas que vivemos e sentimos. Acredito que todas as vezes que nossa alma fica inquieta e não encontramos consolo é Deus que vai nos responder. É a Ele que agora eu me volto.

À você, mulher desconhecida e queimada, eu preciso dizer que sinto muito. Eu sinto que existam pessoas tão cruéis ao nosso redor. Eu sinto muito que apesar de tantas mortes ainda existam tantas mulheres sentindo medo.

Eu sinto por todas as meninas que não podem andar nas ruas sem sentir medo de serem estupradas. Sinto pelas mulheres que apanham dos homens que deveriam amá-las. Eu sinto muito por saber que toda essa crise econômica vai gerar mais violência às mulheres dentro dos lares e nas ruas. Eu sinto saber que mesmo depois de tantas vidas perdidas, ainda tenha gente achando que esse não é assunto que importa.

Mulher desconhecida, assassinada, queimada e enterrada como indigente, eu sinto muito pela sua morte cruel! Esse texto é para que todos saibam que você existiu e como morreu. É para que eu possa acordar amanhã mais leve depois de transformar essa dor solitária em palavras.

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