Renúncia de Lener causa espanto em São Lourenço e na região

Por Sandra Pereira | 25/11/2010

A renúncia do prefeito de São Lourenço da Serra,capitão Lener Nascimento pegou os vereadores da cidade de surpresa. De acordo com o vereador André Despézio o fato foi informado à Câmara Municipal por meio de ofício às 17 horas desta quarta-feira.

Mesmo integrando a base de oposição ao ex-prefeito André Despézio disse que os vereadores não esperavam essa atitude do capitão.

"Ninguém esperava isso. Todos nós fomos pegos de surpresa.Não era isso que ninguém queria", contou.

O vereador disse que o ofício de renúncia foi lido em plenário e provocou perplexidade entre os integrantes do Legislativo local.

Ele confirmou que nesta quinta-feira às 10 horas da manhã o vice-prefeito Zé da Tereza assume a vaga deixada pelo capitão Lener. A expectativa é de que o ex-prefeito conceda uma entrevista coletiva para tratar do assunto.

A reportagem do Jornal na Net apurou que a administração do prefeito estava comprometida pelo desgaste com a Câmara. O prefeito não conseguia fazer nenhum tipo de  remanejamento de recursos do orçamento.

Lener demitiu os 58 livre nomeados de sua administração antes de protocolar a carta de renúncia na Câmara.São Lourenço tem 9 vereadores e seis deles faziam oposição direta ao prefeito.

Mas não foi só em São Lourenço que o fato causou espanto. Nas demais cidades da região não se comentava em outro assunto durante a noite de quarta-feira. Todos tentavam entender às razões da renuncia. 

Veja a carta de renúncia do prefeito:
Sirvo-me da presente para noticiar, dentre outros fatos, o falecimento da Justiça em nossa urbe. É, a Justiça está morta!

Tal qual o ensaio do camponês florentino de Saramago, descreverei a seguir, os melancólicos motivos desse passamento e suas funestas consequências para toda a comunidade deste município, bem como para este Prefeito e seus familiares.

De pronto, destaco que com a morte e consequente ausência da guardiã do Estado Democrático de Direito, ascenderam-se os membros da associação criminosa que atuou no interior da Prefeitura Municipal no anterior período de 2005 a 2008.

E, também desde já, para imediata compreensão do que pretendo, confesso que com a ascensão desses ávidos salteadores de dinheiro público, os quais não por acaso acumulam a qualificação de cruéis homicidas, não me resta outra saída senão capitular. Capitular, pois tais bandidos, com a ausência da Justiça, estão retornando das profundezas em que foram lançados e gradativamente reassumindo o domínio dos poderes constituídos que operam em nossa cidade e restaurando a influência naqueles inúmeros outros órgãos institucionais externos que de alguma forma exercem jurisdição em nossa região administrativa.


É necessário evidenciar que o renascimento desses criminosos é resultado exclusivo do esvaecimento da Justiça brasileira, sendo certo, por conseguinte, que esta anunciada rendição não decorre somente das contínuas ingerências arbitrárias e ilegais e das inúmeras coações no curso do processo a que este Prefeito e sua esposa Izabel vêm sendo vítimas, sem a menor proteção jurisdicional. Igualmente, não resulta do fato de ambos estarmos sendo alvo de consecutivas tentativas do que se conhece como "assassinato de reputação" perpetrada pela associação criminosa e seus seguidores e que em determinados foros nos transformou de vítimas em réus, num processo kafkiano de inversão de sujeitos, sem também obtermos o mínimo amparo de nossa Justiça, não obstante as persistentes súplicas formalizadas. Muito menos deriva dos profundos prejuízos em nossa condição econômico-financeira, malbaratada que foi em virtude de havermos nos obrigado a abandonar nosso aconchegante lar fixado nesta bela cidade para, já há quase dois anos, vivermos em exílio voluntário em um frígido cubículo na capital do Estado, exclusivamente para não sermos mortos, como outros foram, por essa sanguinária quadrilha, a qual inclusive evidencia contar com o beneplácito da Justiça brasileira, aí compreendidos o Judiciário, o Ministério Público, o Tribunal de Contas do Estado e da União, a Polícia Judiciária Estadual e Federal, dentre outros. Aliás, tudo isso nos seria até mesmo suportável, pois como muitos já testemunharam nas três vezes em que eu e minha mulher dirigimos o Poder Executivo Municipal, dispomos de coragem, determinação e desprendimento suficientes para qualquer enfrentamento com políticos imorais e criminosos das mais distintas espécies.

Ocorre, porém, que esse impune bando e seus asseclas descobriram o ponto nevrálgico que nos faz fenecer: o dano a nossa população pelo próprio poder constituído, como consequência da beligerância entre os poderes. Esses criminosos associados, vendo que nenhuma das ações malévolas contra nós lançadas nos impede de bem administrar; vendo nossa abnegação em defesa desta frágil comunidade; e, vendo-se impunes diante de uma Justiça lenta, leniente e intimidada, que os conduz inclusive a concluírem que já conquistaram o perdão dos hediondos crimes praticados, atuam agora abertamente, sem qualquer pudor, contra a implantação na cidade de novas obras, novos serviços e novos investimentos, através do total cerceamento da execução orçamentária, causando perdas imensas a nossa população. Muito embora tenhamos tentado de todas as maneiras éticas impedir que esse estado belicoso estabelecido entre os poderes chegasse a tal ponto, fomos vencidos.

Tal situação compromete irremediavelmente a governabilidade e a governança municipal além de ferir de morte a reconstrução de nossa cidade que atualmente ocorre a olhos vistos. Não podemos permitir que isso persista neste momento em que nossa administração conquistou, ainda na primeira metade de nosso período de governo, a recuperação no Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico, o IDEB, vilipendiado que foi pela corrupta administração passada (de 4,5 em 2007, passou para 5,3 em 2009); em que conseguiu reduzir para um padrão de país desenvolvido o índice de mortalidade infantil (de 14,6 em 2008 para 10,2 em 2009); em que reconstruiu os sistemas municipais de educação, saúde, infra-estrutura e saneamento básico, literalmente dizimados pela administração que nos antecedeu. Além disso, inúmeras obras públicas encontram-se em andamento e muitas outras estão prestes a iniciar, achando-se dezenas de outros convênios com os governos estadual e federal já em fase de assinatura. Acresce-se ainda a essa venturosa recuperação em curso, a certeza de um aumento substancial das receitas públicas para o próximo exercício de 2011.

Pois tudo isso corre risco iminente de paralisação e perda se a quadrilha não for contida de uma forma ou de outra, e, como vislumbro desalentado que a Justiça continuará inerte, pois morta está, não me resta alternativa se não a de promover, de maneira assaz traumática, a reorganização e o apaziguamento das iníquas lideranças políticas envolvidas.

E, para que isso aconteça é fator primordial meu integral afastamento, pois todos sabem que jamais transigirei com a corrupção e muito menos acolherei como sinônimos de governabilidade e governança as fétidas práticas fisiológicas de mensalinhos ou mensalões.

Assim, através da presente carta, comunico a minha renúncia ao cargo eletivo de Prefeito do Município de São Lourenço da Serra.

Estou certo de que meu substituto natural está plenamente capacitado para assumir a direção desta administração municipal sem tamanhas agruras, pois já foi vereador e presidente da câmara, pelo que saberá muito bem, com essa importante experiência político-administrativa acumulada, livrar-se desses impedimentos e com total liberdade dar continuidade às metas e prioridades contidas na Lei Municipal do Plano Plurianual, principal instrumento de planejamento e gestão a viger até o ano de 2013 e que se obrigará a cumprir. E ele poderá contar - se quiser - com minha irrestrita e fiel colaboração no encaminhamento e execução dos numerosos projetos em andamento e daqueles que deixei por iniciar nos próximos dias, desde que para tanto não tenha eu de compartilhar do mesmo espaço com os impunes criminosos que devastaram nossa cidade e que querem a qualquer custo retornar ao poder. Com eles ou com seus asseclas jamais me assentarei.

Aliás, a esses nefastos um aviso importante: abdiquei ao poder e a Justiça pode estar sem vida, mas não pensem que me acovardei ou que, como ela, morri. Portanto, aguardem-me!

Registro, por fim, que muito embora atribua à Justiça morta a determinante deste meu ato capital, ainda assim acalento a firme convicção de que ora ou outra ela haverá de renascer. E essa será minha nova missão, pois muito embora também abandone definitivamente a militância político-partidária para a qual demonstro não ter a menor vocação, minhas próximas ações fora do cargo estarão voltadas a estimular a viva aplicação da Justiça contra os atos de corrupção e outros abusos havidos nesta cidade e que desviaram no mínimo US$ 10 milhões de recursos públicos. Mesmo que para tanto tenha que recorrer a tribunais e cortes internacionais ou ainda a tratados transnacionais recentes dos quais o Brasil foi signatário, como a Convenção Interamericana Contra a Corrupção (CICC), da Organização dos Estados Americanos (OEA/1996); a Convenção Anticorrupção, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE/1997); ou a Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU/2003). Nem que para tanto tenha que buscar amparo em institutos jurídicos pouco consagrados como a objeção de consciência e a desobediência civil ou até mesmo à greve de fome.

Trabalhemos, pois, pela prontidão desse tão aguardado e imprescindível renascimento.

São Lourenço da Serra, 24 de novembro de 2010.

Lener do Nascimento Ribeiro
Prefeito-Renunciante
"Da Justiça à Democracia, passando pelos sinos", é o ensaio escrito por José Saramago (1922-2010), Prêmio Nobel de Literatura, elaborado especialmente para o Fórum Social Mundial 2002 e lido no encerramento do evento, dia 5 de fevereiro. O texto inicia contando um fato notável da vida camponesa numa aldeia dos arredores de Florença há quatrocentos anos. Seus habitantes foram surpreendidos com o sino da igreja dobrando melancolicamente a finados. Como ninguém houvesse morrido e tendo o sino sido tocado por camponês que não era o sineiro, buscaram a motivação com o homem, que disse: "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tomaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."


Tal qual a absoluta falta de acolhimento as minhas inúmeras lides contra a associação criminosa que corrompe, desvia, coage, sequestra, tortura e mata impunemente em nossa humilde "aldeia dos arredores" de São Paulo, em pleno século XXI, tratava-se de uma lide na qual o camponês florentino não fora atendido pelo organismo judiciário da época com a reparação pedida face à lesão sofrida e, em consequência, resolvera comunicar a todos que a Justiça havia morrido.

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