Vítimas de estupro viram reféns do medo, revolta e até preconceito

Por Sandra Pereira | 10/06/2013

Já faz um ano e seis meses que M.C. S., 28 anos, evita sair de casa. A jovem animada que era cheia de vida e amigos ficou para trás. Morreu numa tarde de quinta-feira chuvosa quando M.C. S. foi violentada numa rua bem perto de sua casa por um criminoso armado. Desde então a moça sente medo de sair de casa. Fica pálida, trêmula e visivelmente abalada todas as vezes que desconhecido passa por ela na rua, ou se alguém tentar puxar conversa.  Ela é uma das 381 mulheres vítimas de estupro nas oito cidades do Conisud em 2012, e aceitou falar sobre o pesadelo que vive desde então sob a condição de anonimato.  

O Jornal na Net revelou na primeira reportagem  sobre violência sexual que nos primeiros 4 meses desse ano 125 mulheres de cidades de Embu das Artes, Taboão da Serra, Itapecerica da Serra, São Lourenço, Juquitiba, Embu-Guaçu, Cotia e Vargem Grande Paulista foram vítimas de Estupro. Embu das Artes lidera os casos de mulheres violentadas. Foram 109 estupros em 2012 e esse ano já são 33 casos em 4 meses. São Lourenço da Serra é a cidade mais segura da região quando o assunto é violência sexual. Este ano só houve um registro de estupro em 2012 foram 8. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – leia mais aqui.

“Nunca vou esquecer aquele dia. Passei muitas noites acordada me perguntando se mereci aquilo. Tem vezes que me sinto suja. Fico horas tomando banho. Não olhei o rosto daquele homem e fico pensando porque ele fez aquilo comigo”, lembra M.C. S..

 O medo, raiva, revolta, ódio e a sensação constante de insegurança são sentimentos rotineiros na vida das mulheres vítimas de estupro. A maioria delas passa meses e até anos amargando a raiva de terem sido forçadas a manter relações sexuais com desconhecidos, ex-parceiros e até familiares. Uma gama imensa de sentimentos envolve essas mulheres que muitas vezes passam a adotar a reclusão e o distanciamento como mecanismos de defesa.  Também são obrigadas a lidar com o preconceito já que em vários momentos são tratadas como “culpadas” ou causadoras da violência sexual.


Após ser vítima de violência sexual a reação inicial de M.C. S. foi um misto de incredulidade e reclusão. Ela sentiu vergonha de contar o fato aos familiares, escondeu das amigas e somente após muita insistência da mãe acabou confessando o que ocorreu. Já haviam se passado três dias quando a jovem admitiu o estupro à família, prestou queixa e fez os exames necessários.

O estuprador da jovem nunca foi detido e segundo ela “parecia já ter praticado o crime antes”. “Ele estava armado e todo o tempo me mandava fazer coisas. Passava a mão em mim e ficava dizendo que se eu não fizesse o que ele queria ia me matar”, lembra.

 Confiar novamente que um relacionamento pode dar certo é um desafio que P. L. N, 37 anos, não consegue transpor. A mulher passou cinco anos casada com um homem que durante a relação deixou de ser o romântico que ela amava para se transformar num monstro.  O fim do relacionamento foi marcado pela violência física e sexual. Quando P. L. N. finalmente encontrou coragem para encerrar a relação foi brutalmente violentada pelo ex-companheiro que por muito pouco não a matou.

“Eu vivi com um monstro. Não quero correr o risco de encontrar outro”, diz ela, que agora se dedica ao trabalho e afirma não ter coragem de confiar novamente em outro homem. “Ele me machucou de todas as formas que uma pessoa pode fazer isso. Quando eu saí de casa e fui morar sozinha me senti livre, feliz, até o dia em que ele conseguiu invadir minha casa, me estuprou, bateu e por muito pouco não me matou”, conta.

 P. L. N disse que quando decidiu prestar queixas do agressor enfrentou dificuldade já que os policiais que realizaram seu atendimento chegaram a sugerir que não se tratava de estupro já que ela já havia sido casada com o agressor. 

“Claro que foi estupro. Eu não queria e ele me forçou. Me agrediu. Ele queria e eu não. Isso é sim violentar uma mulher”, desabafa.

 Em todo o país os casos de estupro se multiplicam. Em São Paulo, de acordo com o Hospital Pérola Byington, referencia no atendimento das vítimas de estupro no estado, 90% das mulheres estupradas não buscam auxílio médico imediato. 

Segundo o hospital, do total de mulheres atendidas 88,9% admitiram não ter procurado orientações médicas imediatas, ou seja, durante os cinco dias decorrentes da violência. Neste período, seria possível o uso da anticoncepção de emergência (pílula do dia seguinte) para evitar a gravidez indesejada. 

“O dado sinaliza que o trauma faz com que a primeira reação das mulheres ainda seja a reclusão. Só depois, quando percebem a gravidez, é que elas passam a tomar atitudes e enfrentam o problema”, afirma a psicóloga e mestre em Saúde Pública Daniela Pedroso, autora de uma pesquisa realizada com mulheres vítimas de estupro que receberam atendimento no Pérola Byington . 

Os dados obtidos por ela revelam que em 61% dos casos estudados, o autor era desconhecido da vítima e em 92%, agiu sozinho. Entre os autores conhecidos, destaca-se um membro da comunidade em que a vítima reside, que corresponde a 5,2% dos casos. O ex-parceiro foi o autor da violência em 3,5% dos casos e o padrasto em 3,4%.

De vítima à culpada

Além de carregar o trauma de ser forçada a manter relações sexuais indesejáveis muitas mulheres vítimas de estupro amargam o fato de serem tratadas como culpadas pela agressão sexual. Em muitos casos elas enfrentam o preconceito escondido em frases como: ela provocou; também usando aquelas roupas; ou ele pensava que ela estava dando mole. Em alguns casos as mulheres encontram dificuldade até mesmo para registrar Boletim Ocorrência e muitas vezes acabam sofrendo nova agressão diante do tratamento desumano na hora de prestar queixa do crime.

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