Há 1 ano morria Raquel Trindade

Por Outro autor | 15/04/2019

Mulher, negra, nordestina, artista, candomblecista, pobre economicamente, porém, muito rica culturalmente. Assim se descrevia Raquel Trindade, a Kambinda, uma mulher muito à frente de seu tempo. Nascida em 10 de agosto de 1936, era filha de Maria Margarida da Trindade, terapeuta ocupacional e coreógrafa, e de Francisco Solano Trindade, poeta, artista plástico, ator, teatrólogo, militante do movimento negro e fundador do Teatro Popular Brasileiro, criado juntamente com sua esposa e com o sociólogo e historiador Edison Carneiro.

Pernambucana registrada no Rio de Janeiro, teve como testemunha de seu registro, Abdias do Nascimento, poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras e que foi grande amigo de seu pai, Solano Trindade, e de diversos intelectuais, os quais debatiam e militavam em prol da ascensão do afrodescendente e da sua identidade cultural. Raquel cresceu nesse meio, o que contribuiu para ela ganhar uma maturidade racial, cultural e intelectual.

Em 1955, viaja juntamente com o seu pai e o grupo Teatro Popular Brasileiro para o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes pela Paz e Amizade, em Varsóvia, na Polônia, onde compareceram mais de 25 mil pessoas e jovens de 115 países. Após voltar para o Brasil, vem para São Paulo e, em 1961, faz de Embu das Artes sua residência e local de trabalho. Mesmo tendo conhecido outras cidades, foi em Embu das Artes que ela se fixou e lutou para o desenvolvimento cultural, presentes até os dias atuais.

Raquel funda em 1975 o Teatro Popular Solano Trindade, em homenagem ao seu pai e como continuação do Teatro Popular Brasileiro, na cidade de Embu das Artes, no largo dos Jesuítas. Atualmente, sua sede fica na avenida São Paulo, 176, Jardim Silvia. Na cidade de Campinas, época em que foi professora universitária com notório saber da UNICAMP, cria em 1988 o grupo Urucungos Puítas e Quijengues, que teve à frente durante anos o mestre Alceu José Estevam, filho de Estevam Ernesto, primeiro patriarca do Samba de Bumbo. Mesmo após a partida de Raquel e Alceu, o grupo continua. No Rio de Janeiro fundou o Teatro Popular Margarida da Trindade, com a Comunidade do Jardim Curicica em Jacarepaguá. 

Raquel criou enredos, figurinos e carros-alegóricos para as Escolas de Samba Vai-Vai, Mocidade Alegre, Pérola Negra e Prova de Fogo, em São Paulo, e para a Granes Quilombo, no Rio de Janeiro. Seu nome consta no dicionário Delta Larrouse e no dicionário de Artes Plásticas, de Roberto Pontual, no livro de Eduardo de Oliveria, Quem é Quem na Negritude Brasileira (1998), e no livro de Erico Vital Brazil e Maria Aparecida Schumaher, Mulheres Negras no Brasil (2006).

Como escritora, escreveu seu primeiro livro Urucungos, Puítas e Quijengues (Dança de Origem Banto), preparou uma coleção de poemas de seu pai Solano Trindade (editora Cantos e Pranto) e editou pela Nohova América a trilogia Os Orixás e a Natureza e Embu, Aldeia de M’Boy, solicitado pela Prefeitura de Embu das Artes, contando as histórias desde a sua emancipação, em 1959, até o lançamento em 2010, e foi distribuído em todas as escolas municipais de Embu das Artes, para que os alunos tivessem conhecimento da história local.

Kambinda fez diversas exposições, palestras, espetáculos na sua cidade de residência, e em outros municípios do Estado de São Paulo, sempre fazendo questão de levar consigo a importância do movimento cultural e o orgulho de pertencer a Embu das Artes e à identidade cultural afro-brasileira. 

Em 2009, criou junto de seu neto, Marcelo Tomé, o projeto Identidade Cultural Afro-Brasileira (ICAB), para contribuir como ferramenta pedagógica, baseado na lei 10.639/03 e complementado pela lei 11.645/08, que hoje trabalha com as 53 escola municipais coordenadas pela Secretaria de Educação de Embu das Artes.

No ano de 2012, Raquel Trindade ganha o Prêmio Honra ao Mérito Cultural, como comendadora do Brasil, uma das mais importantes honrarias oferecida pela Presidência da República, além de diversos outros prêmios e homenagens ao longo de sua vida. Raquel partiu há exatamente 1 ano, no dia 15 de abril de 2018. À frente do Teatro Popular Solano Trindade está um de seus três filhos, Vitor da Trindade, e sua família continua seu legado. Além de Vitor, suas irmãs Regina e Adalgiza (Dadá Trindade), seus netos Marcelo Tomé, Zinho da Trindade, Manoel Trindade, Olímpia Trindade, Maria Trindade, André Imamura, Giulia Trindade, Keniatta Lima, Davi Trindade e Rodrigo Trindade, além de mais seis bisnetos.

Raquel Trindade vive no corpo do Teatro Popular Solano Trindade, na Avenida São Paulo, na cidade de Embu das Artes. Vive em cada fazedor cultural, em cada batalhador da cultura negra e popular, vive em cada mulher guerreira como ela foi exemplarmente, em cada nordestino que carrega suas raízes, presente em cada resistente que carrega a negritude e a africanidade. Viva Raquel Trindade, baluarte da cultura de Embu das Artes e brasileira!

 
 
  
 
 

 

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