Mulher atacada por ex com facão era separada há 6 anos, sofria ameaças e dividia casa e trabalho com ele
15/10/2017
Durante seis anos Edeni Aparecida Rocha da Silva, 37 anos, viveu no inferno, mas somente ela e as duas filhas sabiam disso. O sofrimento das três ficava restristo às paredes da casa onde vivem na Vila Indiana, em Taboão da Serra. A verdade veio a público neste sábado, 14, quando o ex-marido dela, Manoel Macário da Silva, 50 anos, matou um homem, identficado como Antônio Freire, 30, com um golpe de facão na nuca, pelas costas e depois tentou matá-la. A mulher escapou por milagre, apesar de ter sofrido cortes profundos nos dois braços, mãos e dedos. Depois de conseguir fugir do ex-marido agressor ela foi assombrada pelo medo de que ele concretizasse suas ameaças e matasse as duas filhas do casal. Como se todo esse sofrimento já não bastasse, Edeni ainda foi acusada de ter traído o ex-marido, com quem ainda morava na mesma casa e trabalhava no bar, já que ele não aceitava a separação física e nem a deixava ir embora com as duas filhas, mantendo-as sempre sob forte ameaça.
“Quando eu saí dali pedi perdão a Deus pela morte injusta daquele rapaz. Agradeci por estar viva e comecei a pensar nas minhas meninas. O Macário me acusou de traição, mas traição foi o que ele fez. Matou um homem inocente pelas costas e tentou me matar. Me deixou cheia de dívidas, com um bar que nem sei se vou conseguir mais abrir depois de tudo que aconteceu lá. Pra mim ele morreu ali. Só eu sei o quanto trabalhei duro todos esses anos, mesmo separada fazia tudo em casa e no bar. Não tive a liberdade de decidir a minha vida, me separar e cuidar das minhas filhas como eu sempre quis. ele achava que era meu dono”, revelou.
Ferida no corpo e na alma Edeni Aparecida Rocha da Silva conversou com a reportagem do Jornal Na Net neste domingo, 15, logo depois de receber alta. Ela falou pela primeira vez de todo sofrimento que suportou nos últimos seis anos, relatou todas as ameaças sofridas, a perseguição constante do ex-marido, a recusa dele deixá-la ir embora com as duas filhas, a dependência do trabalho no bar, aberto no nome dela, a vergonha, a dor e até o sentimento de culpa. Ela negou ter tido qualquer relacionamento com o homem assassinado pelo ex. Confirmou que ele era cliente assíduo do bar, conhecido da família e chegou a admitir que gostaria de pedir desculpas a mãe dele pela brutalidade com que foi morto.
“Eu queria pedir perdão a mãe do Antônio. O meu ex foi covarde matando ele pelas costas. Ele era louco de ciúmes e muito agressivo mas eu nunca esperei uma desgraça assim.O Antônio era nosso conhecido, nossas filhas eram amigas. Nunca tivemos nada, nada mesmo, ele era apenas um cliente, mas, quando eu percebi a cisma do meu ex pedi pra o ele não ir mais no bar, só que ele disse que não devia nada e ia continuar agindo igual”, lembrou.
Edeni e Macário se conheceram em 98, foram viver juntos em 99 e no ano seguinte oficializaram a união que seguiu feliz até o ano de 2007, quando ela descobriu uma relação extraconjungal dele, inclusive a existência de um filho fora do casamento. Apesar da dor e da decepção intensa Edeni Aparecida ainda lutou para manter o casamento até que em 2011 o ex-marido levou uma namorada até o bar onde ela trabalhava. Era o dia 11 de novembro de 2011. Ela lembra que para não fazer escândalos deixou o bar e foi para casa onde tirou a aliança do dedo, o esperou chegar e disse que a partir daquele instante nunca mais seriam marido e mulher.
Macário, como era conhecido seu ex-marido, se recusou a deixar a casa da família. Ela não tinha para onde ir e nem como se manter. Desde então abandonou o quarto de casal e passou a dormir na sala, no sofá ou qualquer outro ambiente da residência. Viveu tudo isso em silêncio. Apenas as filhas, uma irmã dela de Minas Gerais e uma amiga do interior conhecia a realidade que enfrentava, na vizinhança todos acreditavam que o casamento do dois era saudável e feliz. Edeni diz que a separação de corpos produziu no ex-marido um comportamento violento, marcado pelas constantes ameaças. Além disso, contou que o ex repetia com frequência não acreditar que ela não tinha ninguém e por isso a perseguia de todas as formas. Também revelou que há pouco mais 15 dias sofreu abuso sexual, fato presenciado pela filha mais velha, que chegou a ouviu seu choro e pedidos de socorro. Mas, ela disse que não denunciou o crime para não expor a família e por não gostar de escândalo.
“Quando eu me separei ele começou a mostrar quem realmente era. Ficou muito agressivo. Me xingava, ameaçava. Eu andava sem poder olhar para os lados. Fazia de tudo para ter paz e quando dizia que era melhor resolver a nossa vida e separar ele se limitava a repetir que não ia sair de casa nunca e que as meninas nunca iriam comigo. Como ele era agressivo eu parava a conversa. Ele agia como meu dono, tinha escuta no carro, na casa em todo lugar. Todo mundo no bar via o comportamento agressivo dele. As pessoas tinham medo e eu também. Minha mãe morreu há pouco tempo e desde então ele falava direto pra eu não me preocupar que ia encontrar com ela logo, logo, mas eu nunca achei que uma tragédia dessa fosse acontecer”, admite arrependida.
Como centenas de mulheres vítimas de relacionamentos abusivos no Brasil, Edeni Aparecida Rocha da Silva, negava a si mesma que era vítima de um homem agressivo, possessivo e perturbado. Sem condições financeiras para se manter junto com as duas filhas ela permaneceu dentro da mesma casa que o seu agressor. Os anos foram passando e ela sempre tentava encontrar uma solução pacífica que o fizesse aceitar o fim da relação, mas isso não aconteceu.
“Ele tinha duas faces. Era agressivo e violento comigo, mas era um excelente pai para as meninas e não queria ficar longe delas. Eu cheguei a prometer que ia mudar pra perto mas nunca adiantou”, disse.
No trágico sábado em que todos souberam a vida infernal que Edeni Aparecida Rocha da Silva vivia, ela conta que chegou no bar para trabalhar pouco depois das 9 horas. Como já era rotina, o cliente assassinado pelo ex-marido chegou pouco tempo depois em companhia de um borracheiro vizinho do bar. Ela diz que os dois pediram uma cerveja e tomaram, repetiram o pedido e o borracheiro saiu após a chegada de um cliente. Logo depois Antônio pediu um conhaque, Macário o serviu enquanto a ex-mulher estava na cozinha lavando a louça, ela conta que saiu de lá quando o ouviu dizer “isso é pra você não mexer nunca mais com um homem”.
“Quando eu sai da cozinha vi o Antônio com a cabeça cortada caído na mesa. O meu ex veio pra cima de mim, me protegi no balcão dos golpes de facão e fugi. Entrei num ônibus parado na BR e pedi socorro ao motorista”, resume.
A filha mais velha de Edeni e Macário tem 16 anos. A adolescente ama os pais, sabe que a mãe vivia uma relação infernal e não esconde as marcas que a tragédia causou em suas vidas. Logo depois de cometer o crime e tentar a matar sua mãe, disse que o pai correu pra casa com o facão na mão e repetindo que ia se matar pra salvar a vida dela e da irmã. Foi a jovem que o convenceu a se entregar à polícia que chegou rapidamente à residência.
“Desde que eu comecei a amadurecer eu vi que eles tinham um relacionamento conturbado. Eu sempre procurei defender a minha mãe, porque ele era agressivo. Mas, o meu pai nunca tinha batido nela até o dia 13 de fevereiro de 2016. Ele deu um soco nela. Eu tinha ido ao mercado com ele, minha mãe e minha irmã estavam dormindo e ele bateu nela, que acordou chorando desesperada. Ontem (sábado, 14) quem me contou o que houve foi o meu pai. Eu estava em casa deitada estudando para prova quando ele chegou me chamando desesperado, eu vi o facão, o sangue e pensei que tinham tentado matar ele. Daí ele contou que matou o Antônio e tinha tentado matar a minha mãe. Eu fiquei desesperada, não tinha visto a minha mãe e não sabia o que pensar e o que fazer. Minha irmã ouviu e também começou a chorar. A polícia chegou em questão de segundos”, relembra.
A jovem conta que o pai avisou a ela que iria se matar e o implorou pra não fazer isso, durante mais de 5 minutos até que ele resolveu se entregar.
“Eu nunca tive ódio do meu pai. A minha mãe sempre foi uma mulher forte e guerreira, mas não tinha como ela se defender, ele estava ficando cada dia mais agressivo. Eu ainda não sei o que sei fazer. Só sei que preciso cuidar da minha mãe e minha irmã. Estudo e trabalho, mas agora a prioridade são as duas. Minha mãe está com os braços muito machucados e não pode trabalhar por enquanto. Não sei como vamos agir, mas acredito que Deus está com a gente e vai dar tudo certo”, afirmou com o otimismo próprio da idade e a maturidade de quem é forçada a crescer para enfrentar a vida.
Talvez a jovem ainda nem tenha se dado conta, mas, é uma das pouquíssimas que viu a mãe enfrentar a morte e as ameaças próprias de um relacionamento abusivo e sobreviver para contar a história. Infelizmente, é mais do comum do que se imagina os homens se recusarem a deixar a casa onde a mulher vive com os filhos. Por conta disso, muitas vezes, as mulheres agredidas são obrigdas a dividir o mesma casa com seus algozes.